11.17.2007

Sorrir dormindo

Chega em casa e olha o relógio, são oito horas da noite.
Cansado o bastante, todavia não esquece de acariciar o cachorro,
beijar esposa e mimar os filhos.
Come qualquer coisa e vai para o computador, são dez horas
e nada ainda foi feito. A gravata ainda aperta sua garganta mesmo
que não esteja com ela envolta do pescoço.
Os números oscilam demasiadamente para todos os lados, gráficos
vão e vem num frenesi de informações. Através de seus olhos se enxerga
sua exaustiva luta contra o sono e o cansaço... é mesmo capaz de aguentar isso?
Brutos deita em seu pé e lhe arranca um sorriso de canto de boca, era
macio o seu pelo, tão macio quanto foi da quando o encontrou no canil, tão pequenino,
uma bolinha de pelos brincando com um chinelo velho jogado em um canto. Mordia
tudo que encontrasse pelo chão, nada escapava de seus dentinhos afiados. Ao amanhecer
eram seus grunidos para subir na cama que o acordavam, era também hora de levantar
e ir para o trabalho. Quem sabe ele já não sabia disso?
Por um instante esqueceu de tudo ao lembrar de Brutos, ele era realmente um bom
cão.
Volta aos gráficos, percebe que há algo errado. Não há uma equivalência entre
a relação investimento/ganho, isso lhe assusta estremece e amedronta.
Como poderia resolver tal problema de forma tão rápida? Uma simples
ondulação em uma reta lhe faria perder anos de estudos.
Sem perceber alguém lhe faz um carinho, era Suzana lhe dizendo
que já estava muito tarde. Ela era sua esposa a cinco anos, dedicada,
companheira e realmente linda. A conheceu na faculdade, num elevador
com certos problemas técnicos, por sorte.
Nada lhe fez mais feliz (além do nascimento dos filhos) do que sua época de faculdade.
Suzana era sua colega de sala, colega de olhares inusitados de dúvidas e de poucas palavras
dentre as aulas. Não eram grandes amigos, nem colegas de trabalhos. Porém, em
seus olhos apesar de fita-los com receio, conseguia ver toda uma vida pela frente, uma família
um grande amor e um exemplo de mãe.
Talvez, por obra de um destino maravilhoso estava no lugar certo
na hora certa. Um elevador, um botão quebrado e um "Oi" conseguiram selar
um futuro radiante. Nela se enxergava o sorriso pelo olhar, a felicidade pelo
movimento leve do corpo e a curiosidade por suas mãos, sempre inquietas.
Já nele, o cabelo desarrumado lhe dava charme a música sempre nos ouvidos
lhe fazia viajar num mundo só seu e seus pensamentos sempre otimistas o levavam
à acreditar num futuro feliz.
A rendição foi imediata; ele e ela, ela e ele agora juntos. Sorrisos e frases longas
tomaram seus dias na sala de aula, e pouco a pouco um lugarzinho guardado
em suas mentes e corações.
Depois de realmente juntos, decidiram mudar-se para uma cidade onde pudessem
crescer de mãos dadas. Formados e com mais experiência, foram a luta no centro
da profissão em seu país. Eram tempos de luta, de procura de emprego e de um
pouco de sossego quem sabe.
O casamento foi breve,a cerimonia mais linda de suas vidas. A brisa na praia levava os cabelos de Suzana contra seu rosto, e o sol fazia seu vestido branco se iluminar cada vez mais.
Os pés estavam descalços e conseguia sentir a areia os massagear bem devagar.
Não conseguia pensar em outra coisa, a não ser naquele sublime momento.
Hoje pensa o quanto a ama, por tudo que passaram juntos. As dificuldades os fizeram
crescer, os filhos trouxeram a alegria de viver. Júlia era a caçula, com dois anos
e Lívia a filha mais velha, de seis.
Mesmo sem ouvir o que Suzana dizia, sabia que já era muito tarde
para conseguir trabalhar. Apesar de não prestar atenção nos números
e nem no que ela dizia, ele sentia uma pontinha de felicidade ao recordar daqueles
momentos.
Ela vai dormir, dá um beijo de boa noite e anda devagar em direção ao quarto
para não acordar as meninas.
Ao terminar sua sina se levanta da cadeira, Brutos faz o mesmo. Toma um banho,
come algo novamente e vai dormir.
Sonha com Júlia,Lívia e Suzana. E sorri dormindo.
No dia seguinte acorda e percebe que tudo aquilo não passou
de uma simples demonstração de tudo aquilo que ele vive diariamente.
Apesar de todo cansaço, de toda luta e de todos aqueles números
que cansam em não entrarem em uma equivalência.